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Família em alerta

O veneno no brigadeiro e o silêncio nas nossas casas

Em meio à tragédia envolvendo adolescentes, o que essa história revela sobre a ausência de diálogo, os vínculos frágeis e o que pais e mães têm deixado de ver?

 

Por Vânia Vígo

O Brasil ainda tenta digerir a tragédia: uma adolescente de 17 anos, segundo a investigação da polícia, teria envenenado duas amigas ao enviar a elas um bolo de pote com brigadeiro branco. Uma delas morreu. A outra sobreviveu. O plano, conforme aponta a apuração, teria sido premeditado e executado com frieza — o doce chegou à porta das vítimas embalado como um gesto de carinho. Mas, na verdade, escondia uma armadilha.

Duas famílias foram despedaçadas. Uma perdeu a filha para a morte. A outra, para um ato irreversível que pode selar o futuro de uma jovem que ainda está viva — mas, de muitas formas, também foi perdida. Ambas choram. De lados opostos, mas unidas por uma dor que não deveria existir.

Independentemente da conclusão judicial, o impacto desse caso vai muito além do processo criminal. Ele escancara uma pergunta urgente: o que está acontecendo com os nossos jovens? E, ainda mais profundamente: o que está acontecendo — ou deixando de acontecer — dentro das nossas casas?

Casos como esse não surgem do nada. E infelizmente, não são exceção. Dados recentes mostram que entre 2021 e 2023 mais de 15 mil crianças e adolescentes morreram de forma violenta no Brasil. Em muitos desses episódios, o agressor não é um estranho: é um colega, alguém da mesma idade, da mesma turma, do mesmo convívio.

Onde estão os pais que já não se reúnem mais com seus filhos ao redor de uma mesa? Onde foram parar os jantares com conversa, os almoços de domingo com afeto e troca? Quantas famílias ainda se sentam, olham nos olhos, escutam de verdade? A ausência não é só física — ela é afetiva, silenciosa e corrosiva.

O que assusta nessa tragédia não é só a violência — é a suposta frieza, a premeditação, a ausência de remorso descrita pelos investigadores. Isso aponta para algo maior: emoções não elaboradas, dores não escutadas, vínculos familiares frágeis. Lares onde se tem tudo — menos presença emocional.

Não basta amar. É preciso estar. É preciso escutar com paciência, educar com firmeza, acolher com empatia e ensinar sobre os sentimentos que habitam qualquer ser humano: o ciúmes, a frustração, a raiva. Quando não ensinamos a lidar com essas emoções, elas podem virar explosões — ou, pior, veneno silencioso.

É duro dizer isso, mas necessário: estamos criando jovens com acesso a tudo, menos ao essencial — um espaço seguro de afeto e orientação.

Não é sobre culpar. É sobre despertar. Nossos filhos estão crescendo em meio ao excesso de estímulos e à escassez de vínculos reais. Eles precisam de nós. Precisam ser vistos. Precisam ser ouvidos — mesmo quando silenciam.

A adolescência é um campo fértil para o caos e para a construção. O que vai florescer ali depende, em grande parte, da presença — ou ausência — dos adultos ao redor. Pais, mães, educadores, cuidadores: precisamos nos fazer presentes. Não apenas para amar, mas para ensinar. Para orientar. Para colocar limites. Para dizer “não” quando for preciso. Para acolher o choro, corrigir o erro e fortalecer o caráter.

Talvez o veneno tenha chegado à casa das vítimas disfarçado de brigadeiro. Mas a cura, essa pode começar dentro das nossas casas — disfarçada de um “senta aqui comigo”, de um “me conta como você está”, de um “vamos conversar?”.

Ainda dá tempo. Sempre dá. Mas só se a gente tiver coragem de ver — e agir.

 

Vânia Vìgo é jornalista, escritora e pós graduada em jornalismo político.

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